quinta-feira, 24 de julho de 2014

Tenho saudades suas avó

 
 
A minha avó sabia ler, a minha avó não teve que levar o mundo na cabeça, não teve que ver o sol nascer todos os dias. A minha avó não teve sete filhos, teve três e um deles foi o meu pai. A minha avó morreu cedo. Dela lembro-me do riso, das festinhas carinhosas, do ar altivo com que falava quando dava ordens. Dela lembro-me das noites em que me acalmava, dos seus olhos vermelhos que escondiam o choro quando o meu avô morreu. Lembro-me dela numa cama, em casa, num hospital. A lutar contra a estupida doença. Foi por ela a primeira vez que chorei. Que chorei a sério. Um choro que doi no peito, que esgota as lágrimas e que faz sofrer. Foi no dia em que ela morreu que senti pela primeira o que é ver a vida a mudar. As memórias que tenho da minha avó confundem-se com o que dela me contam. A minha avó perdeu o amor da vida dela. A minha avó morreu com os filhos criados e com quatro netos por criar. A minha avó morreu cheia de certezas e deixou-nos  cheios de dúvidas.
Eu tenho saudades suas avós... Gostava de discutir consigo a importância da Republica, a grandeza do 25 de abril e das diferentes maneiras de pensar. Sei que íamos discordar. Gostava de voltar a fazer os trabalhos de casa na camilha do avô, de ir à Cenoura comprar vestidos, lanchar no horta e jantar suflé com bolo de chocolate à sobremesa. Eu tenho medo da morte. Porque sei o que ela é. O que ela leva e o vazio que deixa. Sei o que é chorar porque vemos uma fotografia, ouvimos uma frase ou pensamos no passado. Eu tenho saudades da minha avó.

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