quinta-feira, 23 de julho de 2015

O cancro de Laura, Judite de Sousa e a falta de consciência do grupo Cofina

Desde crianças que somos educados sob um mote que nos ajuda a tomar as decisões mais complicadas. Mães, pais e avós iam-nos ensinando o livre arbítrio com a simples expressão "se não gostas que te façam a ti, não faças aos outros". Fomos assim aprendendo a crescer, a viver e a sobreviver em sociedade. Depois crescemos e ao crescermos aprendemos que o livre arbítrio é lixado,  e que as circunstâncias vão mudando.

Por defeito profissional essa frase continua a liderar os meus dias. Uma profissão que  torna  muito ténue a linha entre informação e voyerismo, e onde diariamente me debato com a necessidade de partilhar com alguém histórias que não me pertencem e perceber se devo ao não contá-las. Costumo perguntar, como que em exame de consciência, "e se fossem os meus pais ou os meus irmãos?" Consigo assim ir acalmando a minha consciência e dormir à noite. Tenho o orgulho de poder dizer que já disse "não" a muitas histórias - como quando me pediram para fazer a listagens de atletas que tinham assumido a sua homossexualidade - mas também tenho que admitir que já disse "sim" mesmo quando a minha consciência me dizia o contrário - como quando liguei para o Manuel Serrão no momento em que o seu pai tinha entrado em coma após um atropelamento. "E se fosse o meu pai?" Se fosse não iria querer que alguém que não me conhecia me ligasse, para saber notícias que apenas queriam vender jornais ou ter mais visualizações. Mas foi neste momento que me apercebi que há circunstâncias diferentes e atenuantes, o Manuel Serrão e o pai são figuras públicas, e aqui saliento o facto de o pai dele também o ser, de haver um claro interesse da população em saber notícias fosse por sincero interesse ou apenas por voyerismo.

Com esta breve explicação, que se alongou mais que o pretendido, este é um grito à consciência - se é que a têm - dos diretores de um dos mais poderosos grupos de comunicação portugueses, o grupo Cofina. Que ao longo dos anos nos foi habituando a um tipo de jornalismo, a que não se devia chamar jornalismo, mas que tem provado ser a fórmula mais poderosa para fazer dinheiro. Ao grupo Cofina venho apelar, enquanto colega, leitora e cidadã que pare. Já chega. Já chega da campanha negra, do aproveitamento da vida privada de uma mãe, de uma colega, de uma mulher que perdeu o filho. Se os diretores mandam é dever do jornalista - na verdadeira acepção da palavra - dizer não, é essa a independência que nos permite ser respeitados.

Depois das capas que venderam com o cancro de Laura Ferreira - quando mais nenhum grupo o fez - depois das teorias da conspiração acerca da promiscuidade entre o cancro de Laura e da campanha do Primeiro Ministro, chegam as imparaveis imagens do André Sousa Bessa, dos problemas da Judite e da vida privada a que só a ela diz respeito. Faço minhas as suas palavras o André "não era uma figura pública". Parem! Basta! E deixo-vos a pergunta "e se fosse o vosso filho? E se fosse a vossa mãe?" São totalmente desprovidos de emoções ou conseguem ter relações familiares que vos façam por no lugar daqueles sobre quem escrevem? O papel de um jornalista é também fazer escolhas, a liberdade de expressão é também a liberdade de consciência e o poder de se tomar a atitude certa. Os caminhos fáceis nunca levaram a lado nenhum e devo lembrar que aqueles que não têm coluna vertebral estão presos a uma cama, não têm liberdade.