quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A criança Síria que não chora, mas que nos faz chorar a todos

Foram vários os caminhos que me trouxeram à vida que tenho hoje, e que decidi que queria ter com certezas absolutas aos 10 anos. Não havia dúvidas: iria ser jornalista.

Lembro-me de um desses episódios, de um desses caminhos com uma lucidez que faz que com que cada vez que aquela imagem se forma no meu cérebro ainda me cause arrepios. Foram tempos incríveis para a geração 80/90 os da libertação de Timor. Crianças, jovens adolescentes que começavam a ver formados as ideias de cidadania, indecência e justiça de uma forma crua. Sem direito a teorias abastratas, a realidade era aquele e tinha que se ter uma opinião. 

Eu não era jovem e era menos que criança, estava naquela idade entre o bebe e a criança, mas nada me impediu de vestir de branco - na altura símbolo de quem apoiava a independência - e de participar em discussões e procurar respostas a perguntas. Tudo ia ficando mais sério as imagens que nos chegavam eram duras e só aumentavam a minha sensação de impotência, a que na altura ainda nem sabia que se chamava assim. 

Mais tarde uma qualquer guerra africana, dessas que se foram se sucedendo nos anos 90 mostrava as pessoas a fugir com a casa às costas, a fugir pela vida. Mais uma vez só tinha acesso através da televisão. Houve uma em particular. Um dia. Um telejornal, uma noite no conforto da nossa casa em que somos invadidos pelo sofrimento dos outros. Uma criança fugia com a mãe por tuneis rochosos e secretos, seguida por um jornalista que os filmava. A criança cai de forma aparatosa, eu devia ter apenas mais um dois anos que ela. Uma queda mais forte que todas as que eu tinha dado até aí, e todas me tinham feito chorar alto até que alguém me pegasse ao colo. A criança cai, olha em volta e segue caminho. Não teve que engolir lágrimas, porque aquele queda era o que de menos grave se passava na sua vida. O discernimento que lhe vinha da dura experiência, sabia que aquele choro lhe podia custar a vida. 

Naquele dia, aquelas imagens tiveram um peso na minha vida confortável.  Decidi ali, que queria tornar mais gente desconfortável. Não tinha capacidade para mais nada, mas podia mostrar aos outros o que se passa no mundo para que quem tem capacidades consiga agir. 

Hoje há uma imagem de uma criança síria que corre o mundo. Mais uma criança sem lágrimas. Ferida nos sítios mais profundos de tal forma que as feridas visíveis já não a fazem chorar. Hoje espero que em muitas crianças daquela idade, mas com vidas confortáveis nasça a vontade de agir. 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Quando os génios falam por nós #3

"I didn't want to kiss you goodbye - that was the trouble - I wnated to kiss you good night- and there's a lot of difference." Ernest Hemingway